Brasília – “O Brasil tem interesse em fazer ajustes no Mercosul, mas não pretende deixar o bloco. Deixar o Mercosul significaria abrir mão do principal mercado para os manufaturados do Brasil. Acredito que o governo brasileiro venha, eventualmente, a buscar criar um projeto híbrido, ou seja, com o Mercosul sendo ao mesmo tempo uma União Aduaneira e em determinadas ocasiões atuar como uma Área de Livre Comércio”.
A declaração é do presidente da Associação de Comercio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro, ao analisar o anúncio feito pelo governo do Uruguai de sua decisão de iniciar negociações e acordos comerciais com países de fora do bloco e sem a participação dos outros três membros do Mercosul.
Por sua vez, o Coordenador de Comércio Internacional da BMJ Consultores Associados, Leandro Barcelos, destaca que, sem considerar a possibilidade de afastar-se do bloco, o Brasil seguirá insistindo na defesa de uma proposta de redução, em um primeiro momento, de 10% da Tarifa Externa Comum (TEC) praticada no bloco e de outra redução de mais 10% em um segundo momento e também dará encaminhamento às discussões sobre a viabilidade institucional para a realização de negociações unilaterais com países não-membros do Mercosul.
O executivo da AEB ressalta que “o Uruguai sempre foi contra a proibição de poder negociar isoladamente acordos comerciais. O país já tentou por diversas vezes no passado obter autorização dos demais países do bloco para buscar isoladamente esses acordos em separado, mas isso nunca foi aprovado”.
Parece claro que o governo brasileiro não tem a intenção de romper com o Mercosul, mas terá que usar toda habilidade política para evitar a implosão do bloco durante o exercício da presidência pro-tempore do Mercosul, que irá até o final deste ano.
Sem habilidade e pragmatismo será impossível solucionar dois dos principais problemas que atingem a instituição: a decisão anunciada pelo Uruguai de negociar isoladamente acordos comerciais e a redução da Tarifa Externa Comum (TEC).
José Augusto de Castro rejeita a hipótese de o Brasil vir a abandonar o Mercosul, principal destino das exportações brasileiras de produtos manufaturados. Segundo ele, “se abandonar o bloco, o Brasil passaria a exportar para a Argentina como se o país fosse a China, os Estados Unidos ou qualquer outro país. Basicamente para o Brasil é como se o país tivesse um mercado mais ou menos cativo permanecendo no bloco, por causa das vantagens tarifárias. Deixando o bloco, se todos forem iguais, infelizmente o Brasil seria desigual no mercado hoje porque não tem preços competitivos para concorrer no mercado argentino com os Estados Unidos, China ou União Europeia ou com qualquer outro país. Em minha opinião, Brasil tem interesse em fazer ajustes no Mercosul, não em abandoná-lo”.
Rejeitada a possibilidade da saída do Mercosul, o executivo admite que o governo brasileiro poderá buscar a criação de um projeto híbrido, sendo ao mesmo tempo uma União Aduaneira e em determinadas situações atuar como uma Área de Livre Comércio.
José Augusto de Castro afirma que “hoje, o Mercosul é uma União Aduaneira, ou seja, todas as decisões no bloco são tomadas por unanimidade. Mas existe a possibilidade de o bloco vir a se transformar em uma Área de Livre Comércio, a exemplo da Nafta (Área de Livre Comércio da América do Norte), permitindo que os países adotem posições isoladas sem deixar o bloco. É uma situação difícil e nós temos que assumir uma posição, principalmente sabendo que o cenário atual não é muito favorável para a tomada de decisões difíceis como essa que enfrentadas pelo Mercosul”.
Segundo Leandro Barcelos, as discordâncias no bloco existem mas ele acredita que a Argentina busque atrasar o processo apostando nas eleições presidenciais brasileiras no próximo ano e numa eventual mudança de governo no Brasil.
O especialista em Comércio Internacional acredita que “apesar das discordâncias sobre o tema com a Argentina e o Paraguai, em menor medida, o Uruguai deve apoiar os esforços da presidência pró-tempore brasileira do Mercosul (que irá até 31 de dezembro) para a redução das alíquotas de importação cobradas pelo bloco. As autoridades brasileiras já afirmaram que insistirão em sua proposta de redução da TEC, que estabeleceria um corte de 10% em todas as tarifas no primeiro momento e outra redução de também 10% em um segundo momento”.
Na avaliação de Leandro Barcelos, caso o Brasil consiga emplacar a decisão sobre a TEC ainda neste semestre e a Argentina não concorde com a proposta, o Brasil está pronto para apresentar ao governo argentino uma alternativa: “a ideia é colocar uma proposta que permitiria ao país vizinho realizar uma redução inicial e, mais para a frente, se juntar aos outros membros do bloco”.
E ainda em relação à questão da redução tarifaria, ele lembra que “é relevante mencionar que os membros precisarão definir sobre a renovação das listas de exceção à TEC (Letec), que encerram sua vigência no final de 2021. A expectativa é de que ambas sejam renovadas, tendo em vista a importância de tais mecanismos para ajustes na competitividade do bloco”.
O especialista lembra ainda que “o Brasil deverá dar encaminhamento às discussões sobre a viabilidade institucional para negociações unilaterais. Vale notar que após a Reunião do CMC, o Uruguai divulgou comunicado oficial no qual menciona que passará a realizar negociações comerciais desta forma, a despeito de um consenso intrabloco sobre o assunto. O país argumenta que a Decisão 32/2000, a qual estabelece que as negociações devem ser realizadas em conjunto pelo bloco, não foi internalizada pelos respectivos parlamentos e, portanto, não teria eficácia. Apesar de o Brasil estar alinhado com a posição uruguaia não é esperado que adote uma postura semelhante. Por outro lado, caso durante sua Presidência o país não consiga avançar com nenhuma de suas pautas (revisão da TEC e flexibilização das negociações) é possível que opte por tomar ações individualmente”.
Fonte: Comex do Brasil