Ainda que não estivéssemos passando por esse grande aumento na demanda do varejo, motivado pelos novos hábitos de consumo pós pandemia bem como pelos auxílios emergenciais do governo, ou que o navio ‘Ever Given’ não houvesse obstruído por seis dias uma das mais importantes artérias do comércio internacional, os anos de 2021 e 2022 já davam sinais da tendência do frete em alta. A razão é bem simples: uma evidente queda nas encomendas de navios que podem ser notadas desde 2016, fazendo com que o overcapacity de uma década fosse superado pouco a pouco.
O comércio mundial foi retomado com bastante força a partir do 3º trimestre de 2020, bem como os pedidos aos estaleiros, que começaram sua reação já a partir do 4º trimestre o ano passado, onde as encomendas em carteira encerraram o ano pouco acima dos 10% da capacidade de operação depois de ter registrado em outubro de 2020 o nível mínimo histórico de 8,8%.
Em 2021, no 1º trimestre, a confiança das empresas de navegação aparenta ter sido renovada diante da alta dos fretes (mesmo que, na maioria das vezes, sustentada pelo desenrolar da pandemia), dos sólidos resultados financeiros divulgados recentemente e da generalizada falta de navios no mercado. Desse modo, tanto os armadores quanto, principalmente, os afretadores de navios aceleraram suas compras, onde atualmente as ordens aos estaleiros já ultrapassam os 15% da capacidade em operação, e continua subindo.
O que acontece é que, ao contrário da velocidade da retomada da demanda, os novos navios ainda devem levar de 18 a 36 meses para chegarem ao mercado e, teoricamente, isso significa que, sem grandes oscilações na demanda, como por exemplo novas crises ou recessões globais, o valor dos fretes só começará a diminuir quando esses novos navios começarem a ficar protos, em 2023 e 2024.
Existem pelo menos dois fatores muito importantes que devem ser observados em relação à essas ultimas encomendas: o primeiro é que já não é mais uma questão de “se”, mas sim “quando” a MSC irá ultrapassar a Maersk no ranking de capacidade ou, ainda, que a CMA CGM irá retomar o posto de 3ª maior do mundo.
De acordo com o ranking a seguir, disponibilizado pelo Alphaliner, atualmente a Maersk continua na liderança, porém com apenas 16 navios (41.600 TEUs) encomendados a tendência é de que em breve seja superada diante das encomendas “em carteira” da MSC, que já chegam a 35 navios (659.500 TEUS), sem contar outros 13×16.000 TEUs que estariam em negociação com estaleiros chineses.
A CMA CGM vem atrás desses dois por conta de apenas um Panamax (5.200 TEUs) que faltaria para recuperar sua posição em 3º lugar no mundo, com uma carteira de encomendas onde constam 23 navios (354.000 TEUs), que seria superior à da Cosco Shipping ( 12 navios – 276.000 TEUs) em 78.000 TEUs. Sem contar os outros 6×15.000 TEUs movidos a LNG (com opção de mais seis) que estariam sendo negociados entre os franceses e os estaleiros chineses.
Se a HMM foi quem mais cresceu, em termos proporcionais, no último ano (81%), as encomendas das quais temos ciência levam a crer que a Evergreen (+52,9%, 74 navios – 703.500 TEUs) e a Zim (+35,5%, 10 navios – 150.000 TEUs) virão a ser as empresas com maior crescimento nos próximos anos no ranking entre os Top10 em capacidade.
É importante ressaltar que uma parcela considerável dos navios encomendados por afretadores ainda está sem contrato firmado com armadores, sendo assim essa análise ainda podem sofrer variação.
Outro fato bastante interessante é que, com exceção da Maersk e da WanHai, cujo foco são os navios de até 4.500 TEUs destinados a serviços regionais/feeder, todos os outros armadores têm apostado em navios com capacidade superior à 12.000 TEUs. Ainda de acordo com informações do Alphaliner, as últimas encomendas desses gigantes seriam: 29 megamaxes (24.000 TEUs), 60 maxi-neo-panamax (15.000 – 16.000 TEUs) e 21 compact-neo-panamax (12.000 – 13.000 TEUs).
Ao que tudo indica, existe pouco interesse por navios de 6.000 a 12.000 TEUs, que sequer estão sendo repostos (grande parte dos navios de 7.000 a 9.000 TEUs foram construídos no início dos anos 2000 e em breve serão sucateados), o que nos leva a nos questionar se em breve navios desse tamanho começarão a faltar ou se haverá a substituição por navios maiores que poderiam ser viabilizados tanto pelo aumento da demanda em algumas rotas quanto por novas consolidações de serviços.
A IMO, com suas metas para redução nas emissões, contribui muito para a potencialização desse “fenômeno” de crescimento dos navios, já que essas metas foram estipuladas em ‘toneladas por contêiner por milha’, fazendo com que os navios maiores sejam mais eficientes do ponto de vista energético/ambiental, se comparados à navios menores.
Levando em consideração que aparentemente se trata de uma tendência global dos armadores, visando não ter surpresas desagradáveis, toda a comunidade brasileira de comercio exterior deveria se atentar aos próximos passos e possíveis desdobramentos dessas novas encomendas, não apenas pela questão do frete, mas principalmente porque, no melhor dos cenários, isso pode vir a mudar mais uma vez a dinâmica dos serviços que operam ao longo da costa do nosso país.
Já na pior das hipóteses, existe a possibilidade de esses navios de mais de 12.000 TEUs (366m de comprimento e 16m de calado) não conseguirem operar a full capacity em algumas regiões do Brasil e nosso comercio exterior vir a ser atendido através de hub ports no Caribe ou no Mediterrâneo.
Fonte: Adaptado de Portos e Navios